Meu direito ao mal

Posted: sexta-feira, 22 de maio de 2009 by Emmanuel G. Lisboa in Marcadores:
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Dias desses fui a uma loja de rodas para fazer alinhamento de um veículo, como dentro do recinto não era permitida, por razões de segurança, a inserção de monóxido de carbono nos pulmões, mais pela brasa do que pelo monóxido, fui à frente da loja para fumar. Ali, sobre a calçada fui interpelado por um automóvel prateado, contendo dois sujeitos engravatados e com jeito de donos de uma polpuda renda, estes me questionaram sobre a localização exata do fórum da cidade. Prontamente lhes indiquei, e eles seguiram viajem depois de muitos agradecimentos.
Mais tarde, naquele mesmo dia e já sem automóvel, estava em um bar, lá encontrei um amigo que é policial e havia parado ali para tomar uma cerveja depois de um longo e exaustivo dia no fórum. Este, relatou-me seu dia, esteve no fórum por ocasião do julgamento de um perigoso criminoso, julgamento este bastante atrasado devido a não chegada dos promotores que apareceram apenas duas horas depois do combinado.
Mesmo que os homens ajudados por mim não sejam os promotores. Até porque se forem, prefiro que não o sejam, para minha reflexão ter alguma graça. Vi no acontecido do dia e no excesso de álcool, uma razão para refletir e é o que divido com aqueles que não têm com quem transar, estão sem dinheiro para beber, ou procuram uma leitura diferente, o textículo que segue.
Sou um fumante convicto, inveterado e apaixonado por essa descoberta indígena de folhas (perceba bem a beleza do adjetivo) oblongas e macias recheadas de nocotina. Gosto de todos os tipos de tabaco, cachimbo, charuto, cigarros por fazer e os industriais, em suma sou fumo amante. Ouço há anos que o cigarro é capaz de matar, penso muito nisso, e creio que quem mata é a vida, pois nunca soube de algum morto que tenha morrido depois de morto, eles sempre morrem quando estão vivos. Consoante, partamos do a priori (alguém que ler isso me diga porque todo mundo, menos o Kant escreve a priori usando itálico) de que o cigarro, coitado, mata. Se realmente ele mata, não vivemos numa (agora vem a piada) liberdade, ou democracia, (termina a piada), e se vivemos num sistema destes não temos o direito a escolha. Vejamos algumas escolhas a que dizem termos direito:
1 – o casamento: selecionamos numa gama múltipla a pessoa com a qual desejamos dividir nossa casa, nossa vida e nossas responsabilidades;
2 – os governantes: selecionamos cuidadosamente entre inúmeros candidatos aqueles que irão governar nosso país, estado, município e até condomínio;
3- a residência: escolhemos onde iremos morar conforme nossas condições financeiras, sociais;
Essa lista é enorme, escolhemos até mesmo a compra daquilo que não queremos comprar. Mas na nossa democracia, nos é cerceada a escolha última, não podemos escolher, como viveremos nossa última certeza, temos de morrer de qualquer coisa, exceto daquilo que quereríamos morrer é nos proibido fumar – como já dizia o Robertão. Nesta toada, os programas de televisão, os jornais, as emissoras de rádio, os cantores populares, os maus escritores, as professoras primárias, os acadêmicos e outros seguimentos sociais, promulgam nosso não direito a morte, apontando um monte de males do cigarro, males que qualquer alfabetizado sabe quais são. Tal raciocínio me leva a apontar razões para se fumar.
a) O cigarro é um agregador social: entre os fumantes existe certa cumplicidade inexistente nos restante da vida moderna. Um fumante olha para o outro de um jeito diferente, são próximos uns aos outros e quando se reúnem para fumar estabelecem diálogos producentes, que dificilmente seriam estabelecidos frente ao ocupado público de não fumantes.
b) Os fumantes são mais informados: devido à quantidade de informação presente em nosso tempo, ninguém é capaz de ler todos os jornais, blogs e sites, assim cada fumante, em sua ação coletiva, troca as informações que possui com os outros fumantes e recebe daqueles a informação que eles detém.
c) Os fumantes são criativos: a literatura prova isso, Sartre, Guimarães Rosa, Álvares de Azevedo, Clarice Lispector, Murilo Rubião, mais recentemente Claúdio Willer e muitos outros são grandes escritores hoje, lidos e relidos por muitos não fumantes. Deve-se destacar o triste caso do escritor Albert Camus, fumante inveterado, faleceu num acidente de automóvel, defendo que o autor de O Estrangeiro merecia um enfisemazinho que fosse.
d) O fumo é um unificador social: tomo, mais uma vez, o relato pessoal: eu, intelectual, pseudo-classe média, professor em diversos níveis de educação estabeleci uma sincera e contínua amizade com o meu porteiro, razão, o cigarro que fumamos juntos depois do jantar.
e) Os homens fumantes têm uma maior gama de cantadas: entre homens e mulheres fumantes são possíveis muito mais cantadas do que a dúbia “tem fogo” listada por Clara Averbuck, é possível também o “quer meu canudo”, “chupa bem” e muitos outros que conciliem objeto fálico e fumaça.
f) Os fumantes são menos feios: o maior exemplo disso é o governador do Estado de São Paulo, pai da lei anti-fumo, ele não fuma e é mais feio que o rancor.
Não é intenção deste texto enfadar o leitor, mas sim convidá-lo a uma reflexão, a despeito das brincadeiras e hipérboles quero questionar, o fato de se uma lei feita em nome do bom senso de um só homem, de sua leitura de mundo, de seu eleitorado e de uma sociedade excessivamente limpa, não nos fere em nosso estado de direito, na independência e liberdade postuladas pelo mundo contemporâneo?
Será que se a tolerância virou instrumento do ideológico do estado, não foi oferecida a sociedade paulistana, burguesa e certinha um alvo de intolerância – o fumante, preocupado, apenas em fazer mal a si mesmo?

Fotografia

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O braço direito estirado,
o esquerdo por sobre o peito.
Num leito improvisado,
a despeito do sol a pino,
dormia, tendo ao seu lado
apenas o cão como amigo.
Em meio ao ruído dos carros
e passos de transeuntes,
da calçada roubava o espaço
ao passo que a fome, a saúde.

A saúde, mas não a vida.
A vida, mas não a alma.

Alma que aos poucos se ia
e do corpo não desgrudava

André Prosperi